O dólar começou 2022 em um dos maiores patamares já alcançados em relação ao real: na primeira sessão do ano, em 3 de janeiro, a moeda americana era cotada a R$5,66. Dois dias depois, chegou a R$ 5,71, antes de iniciar uma longa queda, que entre variações, ficou em R$ 4,60 no dia 5 de abril. A cotação se manteve perto deste patamar por alguns dias, até voltar a subir na semana passada, quando passou de R$ 4,62 na quarta, 20, para R$ 4,80 na sexta, 22, e chegou a R$ 4,99 na terça, 26. Nesta quarta, 27, a moeda americana operou em queda de 0,5%. Segundo economistas ouvidos pela Jovem Pan, esses movimentos podem ser explicados tanto por questões internas do Brasil quanto externas, e grandes flutuações no câmbio são esperadas para o resto de 2022, devido a incertezas sobre o cenário eleitoral brasileiro e a guerra na Ucrânia e seus reflexos para os preços das commodities.
“Com o fim da pandemia, houve um alívio nas moedas de países emergentes, e com o início da guerra na Ucrânia [ocorrido em 24 de fevereiro], houve uma alta nos preços das commodities, que gerou um fluxo de capitais para esses mesmos países exportadores, um grupo no qual o Brasil se encaixa. Com os europeus preocupados com a guerra, o dinheiro saía de lá e vinha para cá em busca de ativos seguros”, explica a economista Cristiane Quartaroli, do banco Ourinvest, sobre porque a moeda americana vinha se desvalorizando em relação ao real. “A política também pareceu mais calma por um tempo, e os juros no Brasil já estavam altos, o que significava rendimentos mais altos”, acrescenta Nicolas Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).
Se concordam no que gerou a queda, os especialistas citam razões diferentes para que ela tenha sido interrompida e o dólar volte ao patamar de R$ 5. Quartaroli cita, principalmente, a crise institucional iniciada a partir da condenação do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e o indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao parlamentar. “A partir da semana passada, com o início do agravamento de uma crise institucional, houve uma freada na melhora do real em relação ao dólar. O Brasil está com a imagem arranhada diante dos investidores estrangeiros, o que se agravou com o indulto para o Daniel Silveira, entendido como uma crise institucional. [Levanta preocupações sobre] O que o governo atual poderia fazer para conseguir mais votos até as eleições”, analisa.
Tingas, por sua vez, aponta que outro fator importante é o provável aumento da taxa de juros nos Estados Unidos. O país norte-americano viu a inflação chegar a 8,5% nos últimos 12 meses, a maior nos últimos 41 anos, o que levou a uma maior pressão por um aumento na taxa. O Federal Reserve (FED), banco central do país, se reunirá na próxima semana para debater o tema. “Com a inflação americana, aumentou a pressão de diretores do Fed por um aumento mais incisivo da taxa de juros americana, e o presidente do banco, Jerome Powell, demonstrou estar alinhado a eles. Pode ser que na próxima reunião já venha um aumento de 0,5%. A expectativa do mercado era de que a taxa terminasse o ano entre 2,5% e 3%, agora já se fala em 3,5%”, afirma. Quando os juros sobem nos Estados Unidos, os investidores tiram dinheiro de mercados emergentes para investir em títulos americanos, considerados mais seguros, o que faz com que o dólar suba no Brasil. A próxima reunião do Fed está marcada para os dias 3 e 4 de maio, na próxima semana.
Outro ponto importante é que o cenário de grandes variações do dólar deve continuar ao longo do ano. “O câmbio capta tudo isso, a incerteza. Em cenários de incerteza, é normal ter muitas flutuações, como vimos no começo do ano, de R$ 5,60 a R$ 4,60. Hoje, diria que é bom esquecer o dólar a R$ 4,60, e esperar uma manutenção no patamar de cinco reais. Se tiver movimento, é provável que seja mais uma pequena desvalorização do real quando o aumento de juros for confirmado pelo Fed, com os investidores buscando uma remuneração melhor em um mercado menos propenso a risco”, avalia.
Mas o próprio economista alerta que a guerra na Ucrânia é outro fator que pode mudar rapidamente: apesar de um esfriamento após a reação inicial, ainda podem ocorrer mudanças, como a Europa parar de comprar petróleo e gás natural russo, ou a a própria Rússia decidir interromper o fornecimento, o que causaria mais inflação e possivelmente mais aumentos de juros. Quartarolli concorda, e cita também os lockdowns que a China tem feito em grandes cidades para conter o espalhamento da Covid-19 em seu território também podem causar problemas. “O impacto [da guerra] é mais na corrente de comércio, com ajustes para cima em algumas commodities por redução da oferta global, mas temos que ver como os países vão se organizar para lidar com essa oferta menor. Já os lockdowns na China podem se refletir em menos crescimento na economia lá, o que poderia impactar em um dólar mais alto aqui, já que menos dinheiro seria usado para comprar as commodities do Brasil”, explica. Sobre como o cenário eleitoral pode afetar o câmbio, ela evita fazer previsões. “É complicado dizer porque ainda não sabemos nem quem serão os candidatos”.
QUEDA HOJE
Nesta quarta, o dólar interrompeu a trajetória de subida dos últimos dias e teve uma queda de 0,43%, fechando a R$ 4,96. Isso pode ser explicado por uma melhora no humor externo, com os investidores um pouco mais propensos a assumirem riscos, e com a inflação de abril estando em número abaixo do esperado, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), divulgado pelo IBGE e que vai do dia 16 do mês anterior até o 15 do atual. A média divulgada hoje foi de 1,73%, e o esperado pelo mercado era de 1,85%. “Essa ligeira queda tem muito com o resultado do IPCA-15, número vindo abaixo do esperado”, avalia Quartaroli, antes de comentar que a queda pode não permanecer. “Os números de inflação continuam altos, muito acima da meta esse ano, mas as projeções para 2023 começaram a ser revistas para cima também. O relatório Focus [produzido pelo Banco Central] já mostra a inflação acima da meta em 2023, confirmando hipóteses que o BC possa aumentar o juros de forma mais intensa, em mais de 1%”, diz a economista.
fonte Jovem Pan